3 Comprimidos


Ingerir um comprimido - dizia a bula de uma caixa com uma listra preta igual meu coração. Seria meu coração um remédio aos doentes terminais? Peguei três comprimidos, sem pensar, sem hesitar. Pensara que efeito não duraria muito para deixar o corpo uma formiga com falta de patas.  Os dedos logo perderam a mobilidade, o olhar não conseguia focar-se em nada, em absolutamente nada. Mas se eu fechasse os olhos, focava naquele amor. Em meio à escuridão que encaramos quando fechamos os olhos, lá estava aquele amor. Sinceramente não lembro se tomei ontem ou hoje a noite, mas possivelmente foi ontem. Uma memória apagada assim como eu sempre quis. Acordei exatamente as 16h56 pm – sei disso porque deixo o celular do lado da cama caso eu acorde com o brilho de alguma mensagem sua, mas de alguns tempos para cá, não houve mais brilho. 
Com uma vontade imensa de chorar, mas imensa ainda é a vontade de reprimir, e assim a fiz. Embora fosse pior. Andei rápido até o banheiro, a ânsia de vomito tomara conta da laringe e assim subia. Vomitei pura água, seriam as lágrimas que reprimi há muitos dias? Devem ser...
Vomitei mais umas três vezes, água novamente, incolor, inodora... Apenas água... Lágrimas que por gritarem tanto finalmente saíram, de uma forma ou de outra. Há sempre um caminho por onde o desespero consiga passar.
Minha mãe e pai discutem, falando que o motivo é eu ficar muito em casa – para onde eu iria, só há porcaria de pessoas vazias e fúteis para todo lado. Coloco o fone o no último volume, não consigo ao menos ficar em pé que desabo no chão ou na cama se perto dela eu estiver. 
Minha mãe decidiu então me levar ao hospital, para tomar soro ou qualquer outra coisa. Não possuo vontade alguma neste momento, se fico ou se vou, tanto faz. Troco-me de roupa segurando entre as paredes, tonto, sem saber se o chão é o teto ou se o teto é o chão.
Mando um sms para ela, perguntando se ela pode falar comigo até eu ir no hospital, não estava drogado ou por causa do estado dopado, eu apenas queria alguém do meu lado a tentar me fazer rir, esse alguém sempre foi ela.
O Ônibus não demorou, ou demorou e não me lembro. Na verdade o ponto não é lembrar é conseguir lidar com a percepção distorcida do tempo.  Rapidamente chego ao hospital, cantando por não se importar com os doentes que ali estão, penso: Já foram para a África seus energúmenos? Por que não lutam por um governo que preste? Olha quem fala -  penso – um tonto que mal consegue ficar em pé. Vomito sentado esperando atendimento, desta vez o vomito é amarelo, essa deve ser a cor dos sentimentos! – penso eufórico. Apesar de tudo, meu bom humor e observação continuam intactos. O médico me atende.
-Agora nunca mais vai fazer isso, neh campeão?
Sorri sarcasticamente. Nunca entendi esse “campeão” que os médicos nos intitulam. A única coisa que sou campão é de poetizar seja a situação que for. E esta é a prova. Não vomitei mais, mas isso não significa que a dor e o amor morreram, ainda estão aqui, posso senti-los e como sinto. Meu corpo deve ter descobrido que nem vomitar adianta mais, então, o que adiantaria?
A moça antes de aplicar a agulha enorme em meu braço. Diz que não doerá muito, eu deixo escapar um sorriso, e penso que dor alguma é maior do que a que estou, invisivelmente, sentindo, e realmente não foi. As gotas do soro pingam, e pingam, tentando sem sucesso imitar meu sangue interno a pingar do meu coração. 
Sentado, não sou mais aquele que fica se vangloriando do próprio sofrimento, sinto-me em casa, pois todos aqui vinheram em procura de curas para seus corpos mas nunca encontram a cura para suas almas e corações, eu devia dizer: Amigos! Somos tão semelhantes!

Inácio Bucowsqui

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