Em busca do amor

Prefácio

Na busca por duas mãos descobri que estou ficando paranoico. Ao escutar os timbres da sua voz vibrando o espaço que nos separa, espasmos percorrem meu corpo agonizando o peito e estralando as veias do coração. Corro ao banheiro para vomitar socos na parede, os ossos do meu punho doem e eu não sei se isso é bom ou se dói. Tomei consciência que o amor é um vírus inserido no coração, cujos efeitos patológicos não se resumem apenas ao corpo, e por essa razão aritmética sem solução, morre-se de amor lenta e vagarosamente. Cada “não” acumulando-se sobre outras dezenas de “nãos” semeiam um ódio petrificado e infestado de raiva. Seus traços então se desfazem tornando-se enxofre e sangue. O sangue dos meus próprios dedos. Te odeio como nunca odiei ninguém, e odeio a vida como nunca odiei outra coisa. E odeio tudo numa vontade constante de autodestruição. Não faz diferença seu sorriso sobre coisas vãs porque não mais desenvolve-se em mim sentimentos positivos. O único medo que me rodeia, é o medo de me tornar frio a ponto de não me importar com o canto dos pássaros ou com alguém sendo gentil. Estou quase lá. Estou alcançando a superfície do meu limite, tenho certeza que não encontrarei estrelas, monstros me puxarão sem misericórdia e me contarão sobre o fim do meu mundo: quando o amor se tornou apenas uma reação química cerebral. O namoro, o casamento ou o que quer que seja, somente uma questão de consumir o outro numa mescla de desejos e narcisismo, sustentados com a esperança de que o próximo da árvore genealógica seja uma pessoa melhor. Porque nós nunca somos. Preocupados demais com a marca da bebida que estamos bebendo, ansiosos ao extremo para sermos notados, elogiados ou simplesmente conseguirmos dormir sem despertar uma única vez com o alarme interno dum desespero que ninguém ouve. Porque apenas nós acordamos. De repente, ao abrir os olhos para este  mundo nos contam sobre um tal de amor que ninguém conhece mas todos dizem que sentem, então descobrimos que amor é uma arma para beijos fáceis e trepadas superficiais, desistimos dos nossos próprios sentimentos, e quando alguém usa o amor como um buquê de rosas, só enxergamos a arma, as balas, a dor. Estamos perdidos. Estamos todos perdidos. Ninguém sabe o caminho porque não existe caminho. Se caminhamos, é exclusivamente para seguir por ruas rotineiras e pensamentos repetitivos de autopiedade, e ao olhar para trás, enxergamos milhões de outras pessoas em fila: andamos na direção da solidão. O conto de fadas é a nossa própria vida, era uma vez as mentiras que contamos para nós mesmos, para nos sentirmos melhores e aguentar mais um dia de esporros e traições porque todos querem estar certos, erros? Não existem erros, como eu posso errar? Você é incompetente, você não se esforçou o suficiente. Às vezes levantar da cama e colocar um único pé para fora de casa é o suficiente para criar um peso para uma vida toda.

Escolhemos amar para agradar os olhos, descobrimos tarde demais que o que agrada os olhos deixa hematomas no corpo e na alma, e não sabe ser maduro(a) o suficiente para se relacionar com alguém independente. Somos vampiros, queremos sugar a vida do outro. Somos carcereiros, prendendo em grades psicológicas quem um dia juramos amar. E nas mãos crescem espinhos, o carinho passa a doer, descobrimos nesse momento, nesse segundo pontuado pelo abismo do amadurecimento que a beleza é uma questão de jeito e não um rosto perfeitamente alinhado e esbelto. Não adianta chorar, as lágrimas não passarão do chão e a eterna roda da vida não irá parar para você recolher os cacos da sua vida quebrada e mal construída. Você lembrará que em alguns momentos dum passado longínquo, como sussurros quase mágicos, alguém quase invisível te avisou. Parecia besteira, um conselho torto de quem não sabia nada sobre a vida. Agora é você quem não sabe. Onde estou? Como vim parar aqui? E a partir destas perguntas o peso do poder das escolhas cairá em seu colo e quebrará as suas pernas. Você tentará retornar e recriar no presente um momento passado. Não é possível, pois todos os outros também seguiram outros caminhos e não há ninguém. A porta jaz silenciosa, a janela bate com a brisa quente do norte, os grilos esfregam suas pernas na escuridão da noite e cantam, não há ninguém lá fora e aqui dentro repousa no sofá da sala um desconhecido com uma aliança sem cor e te questionando o porquê da comida não estar pronta sem levantar o rabo para te ajudar. Presa em obrigações frívolas e sendo enforcada por sua aliança sem cor, você se pergunta se amanhã será realmente um novo dia ou o mesmo de hoje que se repetirá eternamente. Não encontrando a resposta você corta a carne, mais uma facada e a bancada estrala e cada corte a mesma pergunta: amanhã será realmente um novo dia? Amanhã será realmente um novo dia? AMANHÃ SERÁ REALMENTE UM NOVO DIA!? Você grita, e o estranho na sala te chama de louca. Louca. Paranoica. Você está cortando a carne para ele, e ele te chama de louca. Um vazio cresce a partir da raiva e a resposta vem: todos os dias serão vazios como este dia e a carne sempre será a mesma, e a faca fará o mesmo barulho que agora faz e algo estranho e quente, que outrora soou quente e gostoso, te foderá noite após noite sem te dar prazer e te chamando de louca. Ninguém enxergará porque não sobrou ninguém, suas amigas também são loucas. Então, num badalar de um sino que apenas você escutou, lembrar-se-á que o amor um dia fora um conto de fadas em alguma poesia que leu em algum lugar.

L.A.

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