Chove Na Cidade


Uma gota pinga em meu dedo.

Mesmo sob a proteção do guarda-chuva uma gota pinga na ponta do meu dedo.

Minha mente viaja com a sensação gélida, deslizando sobre o tecido preto do guarda-chuva - como a gota deslizara. E então flutua até as nuvens, onde outras milhões de gotas preparam-se para pular.

-Você primeiro! - uma grita.
-Espera, to mirando no cigarro daquele cara lá em baixo!

Gotas de chuva são sapecas e enxergam muito bem. No próximo clock do relógio minha mente viaja até os rios em que viviam as gotas de chuva. A mesma gota agora a molhar minha mão - a cada visão a espalho em minhas palmas. Há dias atrás estava dando vida a um peixe alaranjado, não era uma gota naquela ocasião, era um rio.

Uma mulher derruba, com o guarda-chuva, uma folha de uma pequena árvore.

Lentamente, a folha desliza pela corrente invisível de uma nobre brisa. Momentos depois o vento a leva para viajar pela cidade. Passa por cima de um carro, uma mulher conversa no celular, não vê a folha. Passa na frente de uma farmácia, várias pessoas apressadas e impacientes esperam numa longa fila, ninguém enxerga a folha. Garoas desestabilizam o voou sútil da folha amarelada. Lentamente caí no chão, na calçada a água a leva, agora viajará por outra perspectiva, até os arredores da cidade, sem ninguém vê-la. E nem sentir o cheiro perpétuo da chuva...

Seres distraídos, com pressa, velhos... jovens... adultos: somos frágeis, basta o caminhar de simples cem anos e nossos corpos voltam ao pó: a forma orgânica que dará vida a outras formas orgânicas. Pobres são os presos no futuro ou no passado. Rotulando a si mesmos com idades e sentimentos. 
Cada um remodelando a cada dia seus universos particulares de amigos, paixões, amores e problemas. Tantos universos em uma única rua, todo um universo em uma folha, em uma gota. Em uma sensação que te leva à origem.

De repente, um pontada no coração... Ela, com shortinho modelo pijama, passa na frente da loja.

Lembro-me que ela gosta de shortinhos, e talvez esteja, agora mesmo, usando um. Ela sorri, minha mente agora, pelos próximos 35 segundos... Ficará presa ao passado, por livre e espontânea vontade minha consciência entra em cárcere. Lembro dos sorrisos, das palavras doces e gentis, das promessas... do perfume. Tic tac - 32 segundos. A última imagem é ela deitada sentindo meu abraço invisível. Tic tac. Uma gota pinga no meu dedo e libera minha mente para o presente novamente.

Tic tac.

Choveu na cidade.

L.A.

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