Por que um poema?

Está de noite em seu quarto: todas as janelas fechadas ao meio-dia de segunda-feira, enquanto milhões de trabalhadores lubrificam as engrenagens da civilização, ela escuta Love da Lana Del Rey e questiona seus próprios sentimentos.
- Por que o amor não pode ser simplesmente uma canção?
A escuridão não tem voz para respondê-la. O celular não toca faz três dias, mas ela não espera ninguém, não quer conversar porque não a fazem mais sorrir. Está cansada de cantadas vazias. Caminhando por esquinas recebe mais elogios do que os passos que dá para chegar em casa. A única saída é ouvir música com o fone no último volume, desta forma, quando os homens tentam conversar com ela parece que eles estão cantando também.
Ele a fez sorrir. Aconteceu de repente como acontecem todos os sorrisos, ao vê-la na padaria comprando pão, percebendo a altura sonora do fone, apenas pegou na mão dela e entregou um poema. E saiu correndo como se tivesse acabado de cometer um crime. Ela não leu naquele momento, não sabia que era um poema. Deduziu que estava escrito um número de celular, afinal, quem, em 2017, escreve poemas para as mulheres?
Foi sua mãe que viu primeiro, o papelzinho estava ainda dobrado e jogado na estante. Dona Mercedes adora abrir papeizinhos virgens, a dentadura quase caiu ao terminar de ler, porque ficou surpresa com a beleza das palavras, e sorrindo afirmou:
-Fui eu que pari essa menina.
Fez questão de deixar o papel arreganhado de baixo do copo com suco da filha. Aline leu o poema as 8h51m da segunda-feira, e por isto fechou todas as janelas: não havia nenhum número, então ela escreveu o poema na parede com tinta que brilha no escuro:

Todas as manhãs
Você pede os pães
Branquinhos

Passo do teu lado
Descubro tuas músicas
E teu perfume

Enquanto se banha na lagoa
Vigio tuas roupas
E desejo roubar 
Teu coração

As quatro da manhã
Sonho com você dançando
Com as estrelas

Dizem: o amor não pode sonhar
Mas como 
Se amar é a única forma
De acreditar
Em você

-Porque a escuridão sempre guarda todas as lembranças - diz ela, num misto de sorrir com chorar.

L.A.

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