O Andarilho Noturno


A maioria das pessoas apenas saem de dia. Quando o sol ilumina suas peles, ocultando suas próprias escuridões. Seus medos e seus sentimentos passados tão presentes tornam-se quase nulos. A luz para elas é uma forma de se esconderem em suas próprias sombras. Mesmo se sentindo mortas e vazias por dentro. Mas Miguel nunca fora assim, não por falta de vontade ou costume, apenas por incapacidade. A luz o irrita, ao contrário dos outros, a luz revela nele seus monstros interiores. A rotina alimenta seus demônios, quebra as jaulas antes construídas com tantas lágrimas.
Quando a noite toma o mundo para si, e quase não resta sombras. E os humanos comuns se apegam ao dormir. Miguel calmamente abre a porta da sua casa e encara a escuridão e todos os medos que a noite desperta em nossa consciência. Não tem absolutamente nada a perder, o amor de sua vida falecera, claro que nunca foram casados, ou conversaram, ele apenas viu ela sofrer um acidente em sua frente e morrer encharcada de destino, um destino incerto. E perdeu a si mesmo neste momento. No sangue de sua amada escorrendo, viu escorrer também seus sonhos e esperanças.
-Não há nada mais para mim neste mundo misterioso - diz ao encarar a noite.
Veste-se totalmente de preto, coloca as mãos no bolso e caminha sem destino até amanhecer. Mas não caminha a mercê do tédio ou da indiferença, não. Marca as calçadas por onde passa com suas lágrimas constantes, ouve o vento gélido uivar ferozmente, arranhando sua roupa e tentando secar sem sucesso, seus olhos. Se a noite não existisse, Miguel já teria deixado de existir a muito tempo. A noite é seu antídoto contra a luz da vida. Sua esperança negra, ao pensar que a noite seguinte será sua. 
As imagens mentais de seu único amor  jogada como se fosse nada na rua, o perfuram, triturando sua alma dia pós dias, e escurecendo seu coração, noite pós noite.
Alguns diriam que sua vida assim, não possuí sentido. Mas estes que dirão isto, prendem sua vidas numa rotina diária triste, estão com mais sentido? Ele encontrou seu caminho na noite, porque a dor o faz enxergar na escuridão. Talvez ele encontre seus pedaços ao andar em calçadas já conhecidas. Ou talvez ele não precise de pedaços para se completar, apenas de seu caminhar... Sob a lua cheia e as corujas da noite.

Inácio Bucowsqui

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