O Jovem Poeta

Rússia, 1911

-Eu sou um poeta e aos meus olhos cada gota do oceano é um poema e cada poro no corpo de uma mulher é um verso. Ao navegar pesco rimas, e no carinho fundo verso com verso e escrevo num corpo nu a obra em amor da minha vida! - gritou Lúcio quando o professor de matemática arrancou de suas mão um poema em construção.

-Você tem 13 anos, Lúcio. Não sabe o que é um corpo de uma mulher. Preste atenção na aula.
-O corpo da garota que eu amo é uma tela viva onde somente os poemas mais raros - aqueles que não cabem no papel - habitam!

A ciência artística só conhece a visão poética, mas a inspiração sempre avacalhou ferozmente todos os sentidos de Lúcio. Bem dizia Rimbaud: O poeta se faz vidente por um longo, imenso e pensado desregramento de todos os sentidos.
Lúcio então começou a escrever em outra folha. Para impedi-lo de poetizar o professor teria que tomar o seu caderno, a bolsa guardando um segundo estojo e um diário, a caneta de sua mão e matá-lo. O professor sabia disso, pois já tinha em sua pasta mais de oitenta poemas inacabados. Nunca jogou fora.

-Lúcio venha até a lousa e resolva esta equação. Agora.

Lúcio levantou-se, foi até a lousa, pegou um giz novo da caixa do professor, porque suas mãos têm dificuldade de segurar gizes pequenos. E resolveu toda a equação rápido e corretamente, porém no lugar de números, fez letras: Dois igual X parêntesis sete mais… e fez questão de colocar algumas rimas. A sala toda começou a rir quando em silêncio, Lúcio voltou a sua carteira e sem perder o fio e o ritmo da inspiração, continuou o poema. O professor deu-se por vencido e terminou a aula antes do fim. 

E ninguém nunca descobriu e jamais Irão descobrir: Ao levantar da cadeira e começar a andar, o perfume da sua garota-inspiração fez seus pés desaparecerem em sensação. Caminhava nas nuvens, sentia o ar. Ouvia cada aluno conversando e seu inconsciente descontrolado criava estórias sem fim, ouvia os pássaros cantando numa Ópera natural e infinita, a visão poética transformou os números na lousa em palavras embaralhadas, ele não usou nenhuma das quatro operações, usou a única que sabia: Poesia. Seus dedos alucinaram para tocar o rosto daquela que sorria atrás dele, a musa de seus sonhos, por isso usava sempre um giz novo, para segurar firme. Desembaralhou as letras flutuando de inspiração descontrolada e voltou em silêncio para o seu lugar porque qualquer palavra dita, naquele momento, pararia as batidas do seu coração: Revelaria sua alma.

L.A.

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