O Jovem Poeta

Rússia, 1914.

O orfanato estava mais gélido naquela madrugada de ventos invernais. O inverno mais frio desde 1867. As 00h01m Lúcio completou dezessete anos. Apenas ele sabia, apenas ele lembrava-se, não por alegria de mais um ano naquele inferno, mas por uma sombra que o cercava todos os anos, neste dia.

-Ela chegou - disse baixinho.

Não havia luz no quarto, a mínima claridade não fazia jus a sua poesia. Porém, era possível enxergar a sombra movimentando-se na escuridão absoluta, como se sussurrasse no silêncio de suas formas: Feliz aniversário, Lúcio.
Ele não temia o escuro, escrevia nele seus poemas mentais que desapareciam no ar, para sempre: os poemas não direcionados a ninguém, os mais tristes. 
Levantou-se da cama lentamente para não acordar alguém, não por compaixão, odiaria uma companhia naquela noite. Anos mais tarde, Sophie seria a única a compartilhar suas madrugadas com amor. Mas nesta época da vida dele, tudo que conhecia era a solidão. Lúcio nunca precisou de velas para caminhar pelos corredores negros do orfanato: enxergava no escuro, talvez por conta de seus olhos sempre febris ou porque ele era parte da escuridão.
-Lembro-me deste dia até hoje - disse a Sombra.

-Você diz isso todos os anos. Conta com orgulho como me deixou na porta deste inferno.
-Só mais um ano, Lúcio. E estará fora daqui. Olhe os corvos dançarem no céu, eles esperam-te.

Corvos negros forjados no luar,
Vítimas das trevas, dançam sem parar,
Sem nunca pousar na luz...
Cuja a gaiola, é o coração do Poeta.

-Isso, Lúcio. Seja o que você é, poetise.
-No primeiro aniversário que o notei, pensei que fosse algum tipo de demônio dos Poetas.
-Demônios não pisam neste reino, Lúcio. Sou apenas uma Sombra fascinada por poesia. Vou onde ela está encarnada e ajudo a despertá-la.
-Poderia ter me deixado na casa de ricos, e não num orfanato de birrentos.
-Você é livre aqui, Lúcio. Você tem uma biblioteca gigante apenas para você, pois ninguém aqui aprecia ler. Tem a dor que os outros te causam causando poemas dentro de você. E daqui alguns anos agradecerá em silêncio, por ter trilhado este caminho.

Anos depois em seu vigésimo aniversário, Lúcio lembrou daquelas palavras sem sentido, e formaram o mais belo sentido ao admirar em sua cama Sophie, sua esposa, o olhando com seu olhar sempre de sol ao meio dia da Primavera, com a pele preenchida, completamente, por poemas de Lúcio direcionados a ela, os mais belos que existem, e então ele sussurrou baixinho:

-Obrigado.

L.A.

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