O Jovem Poeta - Infância

Rússia, 1913.

Descobriu que os desejos por beijos intermináveis era sua inspiração infinita se contorcendo para materializar-se e transmitir os versos de poemas que são escritos apenas com a ponta da língua.
Então, pôde contornar os precipícios de sua própria loucura e chegar mais cedo do outro lado do Abismo. Tomou consciência de seus próprios limites estéticos depois de perguntar, durante a aula de filosofia, para sua paixão platônica se os feios merecem o amor, e receber uma resposta clara que surgiu no ar mais como uma flecha do que uma sílaba:

-Não.

Ela nunca praticou arqueirismo, mas acertou precisamente no centro do coração de Lúcio. Essa maestria com flechas emocionais só poderia existir numa donzela de tempos medievais. O que o fez concluir, durante os intermináveis discursos do professor de Filosofia, que a Verdade não existe na mente e sim no coração. Teve que respirar fundo e segurar o ar com todas as suas forças pulmonares para aquela flecha não destruir sua Verdade, sua poesia.

Era ainda muito jovem para saber que palavras vazias não alcançam o coração e que a dor que sentiu tinha como origem apenas seus desejos românticos sendo destruídos com aquela garota que brilhava mais do que todas as outras, como se estivesse sempre ligada ao sol, com seus cabelos dourados e seus olhos azuis, um azul além do azul, trazendo todos os outros azuis em si num jogo de cores que mais lembrava os movimentos do cosmo do que um ser humano sobre a terra.
Nem mesmo seu olhar de desprezo com Lúcio era frio. Intenso e direto, destruindo qualquer ilusão sem uma única palavra, em sua íris espiritual, Lúcio lia claramente o que ela dizia sem coração e empatia: Eu nunca serei sua.

Mas nada o impedia de escrever poemas para ela e deixar embaixo do caderno dela, após o intervalo. Era muito fácil para ele ser o primeiro aluno a voltar do intervalo, estava sempre sozinho, planejando passos e poemas, como se os capturasse no ar e isto fosse a coisa mais fácil do mundo para qualquer um.

Ele observava numa concentração interminável os lábios dela movimentando-se lendo seus poemas. Era viciante a forma que ela lia as rimas com seus lábios rosados e serenos, seu olhar parecia sugar os versos para dentro de si. Foram mais de quatrocentos poemas e por algum motivo ela os guardava secreta e silenciosamente e se alguém perguntasse o que era aquilo, respondia simplesmente que era seu, apenas seu, dizia com sua voz firme de garota que fora tocada e abarcada pela inspiração de um grande Poeta.

E no dia 8 de Dezembro de 1913 ela desapareceu para sempre. Lúcio a procurou em todos os cantos do orfanato, perguntou para todos os professores e até mesmo para o diretor e ninguém quis revelar o paradeiro da desaparecida, o único lugar em que Lúcio a encontrou e irá encontrá-la até seus últimos dias de vida é dentro de si, preenchida de esperança e saudade.

Meses depois, numa limpeza semestral, onde cada órfão limpa sua própria cama e seu próprio espaço, Lúcio encontrou em baixo de seu colchão, um papel fechado com uma fita rosa, amassado e entregue ao desespero do mofo. Ao abri-lo, estava escrito:

“Obrigado por poetizar meus curtos anos de vida. Eu apenas não fui sua porque em meus anos primeiros fora uma doença rara com nome complicado que seduziu meu corpo primeiro. Minha alma será sempre sua e de seus poemas lindos. Assinado, E.”

Atrás, ela deixou uma mecha do seu cabelo dourado, branco por conta dos meses e uma foto onde estava deitada sem seu brilho próprio, mas lutando pela vida e viveu mais dias do que supôs a vã medicina, simplesmente porque não conseguia deixar para trás os quatrocentos e cinquenta e seis poemas que a cobriam junto com os lençóis. E pediu aos médicos, pois não possuía família alguma, para ser enterrada com aqueles versos, onde quer que fosse e que só assim poderia ir para o céu.

Lúcio chorou por longas horas e por muitos dias em sua interminável solidão. Chorou de saudade do cheiro de jasmim que apenas ela possuía sem usar nunca um perfume, chorou de desespero por nunca mais tocar por acidente seu braço macio cor de marfim, chorou gritando para todos os corvos do céu como se possuísse poder para amaldiçoar a morte e no fim de três semanas, chorou sorrindo porque sentiu que seus poemas se fundiram com a alma dela, e possuído por uma emoção avassaladora soube que ela estava bem.

L.A.

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