As Fantasias da Infância

O bairro era um reino encantado para ele, com os pontos mais altos, mágicos e também com os lugares sombrios e medonhos. Explorar era seu lema, conhecer uma necessidade e uma meta. Contornava os quarteirões subjacentes, inclusive lugares onde sua mãe ordenava não ir. Por vezes, ela estabelecia: Não saia do prédio! Ele se sentia num castelo, protegido pelos portões que em sua imaginação eram muros gigantescos.

No último andar do outro bloco: Na torre mais longínqua, vivia sua donzela, seu primeiro amor. Raramente a via, mas quando conseguia, seu castelo mudava de cor, e o céu se tornava azul. Era inocente e imaginava que só de olhar para ele, ela estaria apaixonada... Não por sua beleza, o que ele não possuía, mas para seu coração, amor geraria amor.

O tempo passou e este acontecimento constante, lhe deu as chaves dos portões do castelo, percorria todo o bairro: Reino, com sua bicicleta: Cavalo branco. Apostava corridas, ou simplesmente cavalgava na maior velocidade que conseguia apenas para sentir o vento em seu rosto. Com isto, conhecia os lugares mais distantes de casa. E sempre olhava para o céu. Quem presenciava esses momentos, pensava que ele estaria em busca de algo lá em cima, não, olhava porque era bonito, olhava porque sobre sua cabeça estava uma obra de arte que constantemente se transmutava. E depois de cada longo dia, imaginava que sua donzela o esperava na janela - mas ela nunca estava lá.

Os meses passavam ainda mais, o calendário morria aos poucos, e sua inocente fantasia começou a se tornar um problema, uma ilusão misteriosa. Indo para a escola do reino, recitava frases para as donzelas mais bem vestidas, e continuava a imaginar que carinho geraria carinho... Outros garotos queriam bater nele, e ele não compreendia o porquê da violência existir. Fez muitos amigos sem se apegar, criar laços era uma questão desnecessária.

Os anos não davam trégua: Poderia ir agora à floresta distante de seu castelo, à represa: ao Lago, onde nunca fora. Com seus amigos sem laços viajou, entre cavalos selvagens teve que caminhar lentamente, e de cachorros raivosos fugir. Mas para ele, nada daquilo era assustador, pelo contrário, era emocionante! No seu lago mágico nadou, onde antes ouvira que unicórnios foram em outros tempos congelados. 
Mas a década mudou: O véu se desfez, mas não viu os prédios mal pintados e os muros pichados como os outros viam. Sorriu, pois enxergava em tudo uma forma, uma energia poética que transluzia seu olhos. O mundo continuava belo, apenas seu coração carregava as chagas da realidade: Amor não gera amor, a violência existe e é quase constante, o conceito de beleza é impermeável na mente das donzelas que agora são chamadas de "minas", mas para ele elas são muito distantes para serem nomeadas.

Quando enfim decidiu se isolar em seu quarto, foi até a beira da pequena colina próxima de seu prédio, garotas o seguiram, elas estavam apegadas a ele, mas ele era indiferente a isso, não por frieza, apenas por falta de combinação. Ele olhou para o horizonte nublado a escurecer sem a beleza do pôr do sol, estava frio, e os pêlos do corpo se arrepiavam, ele sorriu, não de felicidade ou de qualquer sentimento, mas com o sorriso que se forma na boca quando se diz adeus a algo que se gosta, o vento soprou forte e o abraçou profundamente.
-O que você está fazendo? - Perguntou a garota menor, de uma forma inocente.
-Estou dando adeus a floresta, não vou mais sair de casa.
-Nunca mais? - Perguntou a que era apaixonada por ele.
-Oh... Sim... - E fechou os olhos em reverência ao vento que o envolvia.

L.A.

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