Conto: O Dia Do Suicídio
Capítulo
I - O Começo Da Noite
São
três horas da manhã, não, não vou me matar agora, estou apenas achando muito
interessante perceber como o dia e as pessoas dormem sem saber que alguém planeja dar
fim a sua própria vida, não somente a minha, mas todas as pessoas que se
suicidam ano após ano. Ninguém conhece a dor do próximo, ninguém realmente se
importa, a maioria atua, apenas, para passar a imagem de cidadão de bem, tenho
nojo de cidadãos de bem. Nestes primeiros instantes do começo de minha morte,
descobri o porquê da irracionalidade dos animais, se fossem racionais,
suicidariam-se, um por um. O motivo de eles fazerem isso? Deixo este enigma
para você.
Não estou querendo dormir, mas acho que devo, tenho que estar com
minhas funções cognitivas em ordem para os segundos finais, não quero atingir
nenhum órgão vital. Assisti a um filme mediano antes de deitar: Roubo Nas
Alturas, em uma parte um senhor tenta se matar jogando-se na linha de trem -
este era o meu plano original - mas não quero me dar o luxo da fama ou tentar
ligar para uma garota sinestésica antes - você não é o motivo, eu apenas a
tenho como uma boa amiga.
Capítulo
II - O Desenrolar Da Tarde
O mundo
continua belo, o sol brilha até o ultimo instante. As pessoas estão belas e
continuam tocando suas vidas de forma sistemática. Mas, aqui dentro não há nada
além de escuridão e desespero. Almocei batata frita, o que, particularmente é
minha comida preferida - com bastante sal. Joguei um pouco de Blacklight, foi
bem divertido. Mas o tempo não tem misericórdia e continua a passar, sem pausa,
sem descanso, levando-me em direção do fim.
Enquanto escrevo estas palavras estou no ônibus indo para a faculdade -
odeio os bancos duros de ônibus, não tenho bumbum para isso. O sol, de leve,
acaricia meu rosto, e tudo que vejo é belo - embora as pessoas aqui, pareçam
tão vazias e más.
Há uma garota que está sentada um banco a minha frente,
queria falar com ela, mas parece não haver sentido algum até mesmo nisto - ela
esta balançando o cabelo com a mão esquerda agora, enquanto ouve musica, qual
será a musica? O que ela sente quando a ouve? Não sei. Na janela, os carros passam e
passam, retos e sem sentido - se quem os guia é desprovido de sentido, como
haveria o carro, de ter para onde ir?
E toda
a alma rasga-se
Pedaços
de alma espalhados pelo chão
E como
todos sabemos
Não
passarão do chão
Não,
não vou correr e recolhê-los
Uma
alma rasgada sangra melhor
Não
preciso de coisas melhores
De bons
momentos, ou coisas materiais
A morte
grita agudamente
Quebrando,
o que restou, de minha alma de vidro
Agora
sim, são pedaços incontáveis
E
irrecuperáveis
No fim,
estou sozinho
No fim,
não há nada além de gritos
E
desespero e, coisas invisíveis quebrando
Capítulo
Pré Final - Os Dias Após O Suicídio
Ah... O
mundo? Este continuará o mesmo, o mundo não pára para a vida recolher sua alma.
Os gritos passarão pelas paredes, mas não alcançarão o céu e, as lágrimas não
passarão do chão - o máximo que pode acontecer com estas, é respingar quando o
chão atingirem. As pessoas lamentarão um tempo, mas logo se é esquecido,
acontece muitas coisas todo o tempo, para se dar o prazer melancólico de
lembrar-se dum pobre suicida. Continuarão a gritar: gol! Em suas vidas fúteis e
miseráveis, e daqui, alguns anos, se alguém perguntar: você conhecia aquele garoto que se matou? E dirão: Foi um amigo, um colega, um aluno. E segundos depois,
assim, num estalar de dedos, clap! Suas mentes os farão lembrar-se que há algo
mais importante para se ter consideração. Outros argumentarão que quem se mata não tem amor a vida, eu tenho amor a minha vida, mas alguém além de mim, tem amor a minha vida? Então, respondo, uma pergunta
essencial aos suicidas:
-Para
onde vamos?
-Vamos
em direção do esquecimento, nada mais, nada menos.
Capítulo
VI - A Noite E Sua Escuridão
Notei
agora, que a noite esta sendo banhada pela lua cheia - belo dia, para remover
a própria vida. Os sentimentos tornam-se cada vez mais consistentes, e ganham
tremendas garras. Mas o que haverias, estas garras, de fazer, se minha alma
encontra-se espalhada por este mundo feio e triste? Já não fazem nada, já não
provocam medo algum. Faz-me cócegas e eu riu de desespero - uma cena, interior,
sinistra. A noite perfura-me, talvez querendo encontrar-se com a minha própria
escuridão, não sei. Tudo está escuro, os olhos nada enxergam, mas sinto cada
pedra em todo este mundo feio e desesperado, cada pessoa, cada pedaço de
sentimento, e todos os pedaços de minha alma, os sinto por ai, e dói. Haveria a faca,
doer mais que isso? Ainda não estou em minha moradia para descobrir.
Desesperados
estão todos
Todos
os que vivem, sorriem e chorão
Porque
o desespero é silencioso
Agudo, um fantasma
Assombra
as almas jovens
E o
medo nestas, dá frutos
Quando
já estão maduras
E o
desespero,
Com
suas raízes venenosas
Cobre,
e absorve
Toda a
vida, destas almas perdidas...
Andavas
a noite sem companhia
Sentia
tudo, e tudo o sentia
As
luzes jorravam pelas ruas
E não
havia ninguém
Em
lugar algum
Apenas
via, com seus olhos poéticos
Os
sentimentos invisíveis que pela terra
Suicidavam-se,
escorriam-se
A noite
é sempre mais longa que o dia
A noite
foi-se passando, o quarto ficando denso tão quanto dentro de mim. Os
pensamentos produzindo barulhos incontroláveis, a necessidade de alguém para
abraçar, ou apenas conversar subia a espinha, e esta sensação não passava, não
passava, e não passava. A respiração está fraca, as pernas mal conseguem
permanecer em pé. Onde estou? Por que sinto tudo e todos? Ninguém, além do
vento soprando lá fora responde. Estou sozinho – e sinto o que cada letra desta
palavra pode significar. Já não sei se dói, ou se é para doer, não sinto nada
além dos pulmões agonizando-se, pedindo por oxigênio, mas nada mais entra,
talvez esteja tão denso que não há mais espaço para mais nada, mais nada... A
carência dói fisicamente. Então responda-me, uma faca doeria mais que tudo
isso? Doeria!? Deitado, ergo a faca sob minha cabeça, tento, sem sucesso,
respirar e, desço com todas as minhas últimas estrepitantes forças, perfuro-me,
e dói agudamente todo o meu abdômen, sinto uma vontade imensa de gritar, mas não
posso, ninguém pode me encontrar com vida, ou com ela jorrando de mim. Tenho
que rasgar mais minha barriga, senão estas malditas plaquetas vão impedir minha
morte. A vontade de gritar transforma-se em lágrimas espontâneas, que, assim
como o sangue grosso, escorrem pelo meu corpo, ambos misturando-se e já não
sinto mais nada, a não ser uma vontade imensa de dormir. Seria a morte, um
sonho que clama por nós? Será que meu corpo continuará a chorar depois que de
sangue esvaziar?
E todas as minhas respirações trouxeram-me até aqui, os tantos
passos que dei, os sorrisos, os poucos sorrisos que nesta vida tão longa
fizeram escapar de mim, mas o que deixou a trilha para este momento ainda mais
nítida, foi os terríveis amores que bateram sem dó em meu morto coração.
Feche-se
minha pequena e frágil alma
Não se
deixe mais vir para este mundo feio
Suicida-se
também, assim
Tudo
acabará
O corpo
Os
sentimentos
E a
alma
Yanos Talesin & Lucas Augusto
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