Trechos de uma história sem fim

Tentei mergulhar em Saturno para fugir das aflições e das estrelas, mas me senti um astronauta: eu conseguia flutuar pelas curvas do meu próprio Sonhar. Se era a imaginação pregando peças ou uma viagem interestelar, restou apenas a sensação de enxergar nada mais além do Sol se entregando ao deleite do mar.

As primeiras nuvens da noite logo se transformaram em meus pés. Estar em um corpo era quase como vestir o céu. Logo percebi que a vida não se limita a sistematização do Tempo. Na mão esquerda eu segurava uma bolha com a idade do universo: com todas as memórias de todos os seres que existiram. Na outra mão uma bolha com a idade do futuro: constituída de sonhos e desejos. O universo não é eterno - concluí enquanto vivia o presente.

Seres sem forma me saudaram enquanto eu corria pelos céus como uma criança alcança pela primeira vez o último andar de um escorregador. Há muito mais – eles me disseram – Há muito mais lá em cima! Olhei para baixo e o mar refletia as estrelas, olhei para cima e contemplei as mesmas estrelas, então respondi: O que está em cima é como o que está embaixo. Eles riram – você passou no nosso teste bobo. Então brincamos a noite toda, eu e os seres sem forma, brincamos de sermos eternos.

Jogamos futebol com as bolhas do Tempo. Brincamos de correr nos anéis de Saturno. Descobrimos o gosto das nuvens e roubamos penas das asas de anjos. Quando o cansaço abarcou nossos corpos inorgânicos, deitamos num cometa. E eles me ensinaram sobre o amor:

-Tudo que está vivo… organismos lutando e reproduzindo, as partículas atômicas, todas as espécies, planetas e sóis… É tudo sobre atração. É como tudo se mantém junto. Os primeiros organismos da Terra há bilhões de anos atrás vieram da água - símbolo e regente da emoção. É o amor que cria e mantém sistemas solares, é o amor primitivo que instiga as espécies a se reproduzirem, e é o amor divino que transcende o ser humano a mais alta Sabedoria. Agora vá, minha criança. Viva, sorria, chore, e nunca esqueça de amar mesmo que não tenha alguém para amar. Apenas ame como um ato de respiração e este amor trará Vida Eterna a sua breve mortalidade.

Senti-me rodopiando enquanto perdia altitude e entrava na atmosfera da Terra. As estrelas perderam tamanho. Meus braços tocaram as nuvens: eu estava de volta. Virei-me e vislumbrei meu corpo na cama, adormecido, aquele era realmente eu? Tão perecível. Tão passível de erros. Tão entregue as emoções. Este corpo é apenas um fractal de milhões de outros que formam minha alma. Abri os olhos físicos e senti aquelas últimas palavras sobre viver e amar vibrarem todos os meus corpos como um mantra.

-As estrelas estão fixas no vácuo sombrio do universo porque amam como uma respiração - sussurrei de olhos fechados - eu ainda via as estrelas.

L.A
Escrito em 28/10/2017

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