O Velho Poeta

-Porque tá frio lá fora, vovô?
-Por que o dia está triste e seu coração esfriou.
-E porque chove, vovô? É porque o dia está triste, é?
-Você não sente? É a solidão a chorar.
-Porque ela chora, vovô?
-Por que ela está só.
-Não podemos fazer companhia a ela? Onde ela está?
-Olhe ali, aquela flor, a única flor em nosso jardim.
O garotinho, de cabelos castanhos e olhos azuis, observa a flor, sem entender.
-Olhe agora para as gostas da chuva, tente, com sua percepção, vê-las em câmera lenta.
-To vendo vovô! - gritou eufórico, com sua voz de criança - mas... Ainda não vi a solidão...
-Lúcio! Venha tomar o chá da tarde! - gritou uma velhinha simpática de dentro da cabana,
-Seu velho já vai indo!
-Meu neto querido, a solidão acompanha aquela flor abandonada e única, em meio a todo este cenário nublado, a solidão a toca, a envolve, a faz parte dela.
-E as gotas da chuva, vovô?
-Viu bem? Elas caem das nuvens... Aos milhões... Mas nunca se tocam, acompanhadas, mas profundamente sozinhas. Até... Que chegam ao chão - cof cof - e se tornam a própria solidão, pois se juntam, mas mesmo assim ainda estão solitárias... As belas gotas em que outrora eram lágrimas!
-Lúcio... Meu amor, já está contando suas histórias a nosso neto?
-Só um pouco, só um pouco - disse o velho poeta que levantou e foi para a cozinha.

-Vovô, vovô, vovô! - gritava o garotinho indo para a cozinha correndo, produzindo barulho por causa do chão de madeira.
-Ô, meu neto, cuidado, seu vô não aguenta mais correr feito criança, embora deseje.
-Conta àquela história do passarinho, conta vovô!
-Sua vó sempre chora quando eu conto, melhor não - responde tomando um gole do chá de maracujá e observando com muito amor, sua velha senhora, escorada na porta, a olhar a chuva solitária.
-Conte-nos mais uma vez, só mais uma... - pede sua velha amada, ainda olhando para fora.
Lúcio dirigiu-se à sala, sentou no sofá, tomou um bom gole de seu chá, naturalmente começou a contar, e sua velha senhora já caiasse a chorar...

Diz a lenda, que em outros tempos, não tão distantes destes, voava por entre o céu um belo pássaro que espalhava harmonia, não apenas com sua cantoria, mas com sua maneira de lidar com as tristezas alheias. Possuía penas douradas e laranjadas. No horário de pico, todos os trabalhadores olhavam para o céu, e lá estava o pássaro... Com todo seu louvor simplista.
Mas logo veio a ambição humana, e apareceram muitos caçadores com o desejo de engaiolar a bela espécie que permanecia a voar sem medo. Alguns meses se passaram e o lindo pássaro não dava mais o ar de sua bela graça - cof cof - cientistas diziam na televisão que possivelmente ele estaria em seu ninho, cuidando de seus ovos, o pássaro era muito famoso, pois curava o cansaço dos trabalhos às cinco da tarde, e enchia o coração das crianças de imaginação, sim, o coração, às sete da manhã. Era um mistério, ninguém sabia de onde surgiu, ninguém sabia para onde ia. Passaram alguns dias e surgiu a noticia que acharam o ninho, com apenas um ovo. Todos queriam vê-lo de perto! Trataram logo de levá-lo para o zoológico, enjaularam-no e cobraram caro a entrada, mas quando a cortina baixou suas penas não eram mais douradas e nem laranjadas, eram todas cinzas e sem vida, assim como seu olhar. Percebia-se arranhões nas grades e no chão. Ele não parava de olhar para céu.
Rapidamente - mas bem rápido mesmo - ninguém queria mais vê-lo, era comum, foi esquecido, mas também não o soltaram, foi o primeiro pássaro do mundo a ser enjaulado. Lembraram-se do seu ovo, e deram um bom tratamento ao ovo, colocaram todas aquelas aparelhagens para imitar o bumbum da mãe pássaro. Não demorou muito e o ovo chocou, saiu dele uma bela, linda, magnífica espécie! Mais dourada que a própria mãe! Mais viva que qualquer coisa neste mundo!

-E o que aconteceu com o filhote, vovô?
-Nunca contei o resto para ninguém, nem para sua vó, mas como logo vou morrer... É melhor alguém saber, alguém novo como você.

O brilho começou a ficar forte, cada vez mais forte, parecia até o filho do sol! Os cientistas diziam que era porque ele estava perto de voar, faziam muitos estudos com o pobre bichinho, o hábito humano de tentar compreender o belo, reuniram-se milhões de pessoas em volta do zoológico! Havia câmeras apontadas para a jaula e muito mais! - cof cof.
Mas quando o pássaro tentou voar e encontrou apenas grades... Ele perdeu todo brilho, assim, num piscar de olhos, os humanos queriam vê-lo voando, mas não longe de seus egos, não demorou muito, uns dois minutos talvez e o pobrezinho já não vivia mais. Nasceu com o dom de voar, mas viveu sem nunca ter tocado o céu.

-Inácio Bucowsqui

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