Minhas Bebidas Diárias

Quando ela começava a resmungar eu já sabia desde muito tempo, suas palavras seriam cheias de um misticismo sentimental. Falsas pela boca ser falsa. Como ela haveria de saber o que dizer se mal conseguia pensar com coerência? A verdade é que metade dela estava morta, a outra metade vivia agonizando-se pelas esquinas de ruas cheias de putas. Quando ela saía pela noite sem avisar para onde iria, eu sabia que iria beber até não aguentar mais, adorava segui-lá, observar de longe ela esbarrando-se nas latas de lixo e caindo sob cascas podres de banana e restos de comida, era como se ela encontrasse a si mesma naqueles restos.
Voltava para casa antes dela. Quando ela retornava, o mau cheiro vinha com ela, impregnado em suas vísceras. Ela mal se importava, gritava aos quatro cantos do apartamento:
-Mas que diachos! Você não saí desse sofá!
Atropessava e caía novamente, nunca soube como ela nunca quebrou o nariz. Depois eu a dava um banho de água gelada com um detergente qualquer que eu encontrava na cozinha, não parava de falar, gritar, espernear. Quando desmaiava de sono estando ainda molhada já eram quase quatro horas da manhã. Eu dormia ao lado dela, as gotas de seu cabelo molhado escorrendo pelo meu corpo nu, ajudavam a amenizar o calor daquelas noites quentes, com ela conheci o silêncio, e o amor. O outro dia era quase sempre igual ao dia anterior, o vazio corrompeu sua pobre alma, e foi assim que ela me deixou. Morreu sem saber quem era, viveu sem estar lúcida nenhum segundo se quer.

-Inácio Bucowsqui

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trechos de uma história sem fim

02/12/2023

Freedom