Cotidiano Metropolitano

Ponto de ônibus,
Cheio de pessoas, chego, pego um canto
Olho para o horizonte asfaltado
Esperando o ônibus aparecer
Há muitas pessoas fazendo o mesmo
Parece que fazemos isso
Não por ansiedade pela chegada do ônibus
Mas sim, para não olhar no rosto das outras pessoas

Atrás de mim há umas tantas
Nunca as vi, mas mesmo assim
Tenho que confiar que não metam
Uma faca nas minhas costas ou coisa pior
O vento sopra, e ninguém o repara
Alguns gritam, o ônibus está a demorar

Logo chega o motorista mal olha em nossos olhos
Se disser bom dia, ele mal responde,
Antigamente eles respondiam
Algo mudou, não sei o que é, nem percebi
Talvez devo ter ficado muito tempo no meu quarto
Isolado dessas pessoas estranhas, e mudas

O ônibus não está tão cheio,
Moro perto do terminal
A alegria não dura muito,
Cinco quadras a frente tudo enche
Estranhamento,
O assento ao meu lado permanece vazio
Começo a elucidar-me se há algo errado comigo
Porém lembro que tomei banho, e sempre uso perfume
Um perfume qualquer, afinal eu nem sinto meu cheiro
Talvez seja minha cara amassada por ideias
Ou meu olhar nervoso pelas dores da escrita

A angustia não dura muito,
Logo senta uma senhora ao meu lado
Cabelo branco, pele enrugada, quase sem voz
Pede-me licença
-Todo - respondo
A senhora sorri de volta
Talvez nem perceba as dores que carrego
Por carregar dores parecidas

Coloco meu fone, aumento ao máximo
Embora eu tenha vontade de conversar
Possuo medo que não tenha assunto

A velha fala alguma coisa,
Sou obrigado a abaixar o volume do fone
Engraçado, ela nem parece se importar
Eu ri, fingi entender - mal ouvi o que dissera
Agora com o fone baixo, posso ouvi-lá claramente
Ela fala que seus remédios estão caros
E que não vai tomar
Meto no meio algo sobre corrupção e políticos
Ela concorda, e rimos sobre algo que nem recordo
Fala de seus netos, de sua vida
O ônibus embora cheio, permanece um silêncio
Apenas a voz da velha e a minha ressoa
Rimos bastante, gosto de conversar com velhas
Velhas, não velhos, homens velhos fedem
Velhinhas misteriosamente são cheirosas e agradáveis

Fico a imaginar enquanto ela fala
Que com que facilidade ela dispunha de tanto assunto?
Pergunta-me onde é o ponto de certo hospital
Uso a linha deste ônibus há anos, sei sobre cada ponto
Aviso-a que terá que descer no próximo
Não demora muito, ela levanta, despede-se, se vai
Nunca mais a vi

Aumento o fone novamente,
Fico a observar o caminho,
Que passo há nove anos
É tudo muito triste

Quando pequeno nem o notara
Tudo parecia bem simplório e desligado
Agora há toda uma dor que cicatriza as ruas
Viro-me para observar dentro do ônibus
Há uma guria com uma bunda bem atraente
Mas minha mente fica a imaginar
O que ela pode ter na cabeça
Que não compensa nem um centímetro, a bunda
Novamente o lugar ao meu lado permanece vazio.

-Inácio Bucowsqui

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