Camila Ricarte
Biblioteca Nacional da França, Paris
"Ela estava lendo algum livro de capa azul. Lúcio a viu, primeiro de relance, e então completamente. Seu foco atravessou o salão de arquitetura contemporânea como uma flecha em chamas de inspiração. Mas logo começou a perder os próprios processos mentais com a visão nua do verde-campo das írises dela absorvendo letras e sentenças.
Imaginou como seria o nome dela e com quais palavras poderia rimar. Imaginou os movimentos do corpo guiados pelas notas musicais nalguma festa. Imaginou seu perfume recriando-se com o calor do seu corpo. Imaginou seu calor. Imaginou e sentiu a vida como um estopim para o seu sorriso. Imaginou as ondas do mar encontrando seu corpo. Imaginou escrevendo estrofes em sua pele.
Mas logo partiu dos reinos inefáveis da imaginação e retornou para a realidade. Levantou e lentamente atravessou o salão preenchido por livros milenares. Aproximar-se dela é como atravessar uma lupa - os detalhes, pouco a pouco, tornam-se intensos.
-Posso sentar?
Ela olhou para ele como se algo inexplicável estivesse acontecendo.
Como um susto o perfume dela o fez viajar para campos celestiais por alguns segundos, e isso o fez parecer ainda mais estranho.
-Claro.
-Tem voz gentil - pensou Lúcio.
-O que você está lendo? - Ele perguntou.
-É sobre pedagogia - Respondeu e imediatamente retornou a leitura.
-Qual sua graça? - Visivelmente curioso.
Ele usou "graça" invés de "nome" para parecer educado.
-Camila.
-Rima com Camomila, tranquila, mochila - sussurrou baixinho pensativo.
-O que? - Ela perguntou.
-Nada demais. Desculpe incomodá-la, última pergunta: por quanto tempo ficará aqui?
-Não sei, algumas horas talvez.
Como um raio ele se levantou, diversas pessoas direcionaram o olhar para os dois, e então Lúcio foi até a praça próximo a Biblioteca.
Estranhamente isso fez rir.
Era um dia fresco de Outono, a praça estava vazia, se não contarmos os pássaros, as borboletas e as memórias.
Ele estava - como de costume - com seu pequeno e velho caderno de poemas e contos.
Resolutos - quase de forma independente - seus dedos o abriram em uma folha em branco e seguraram firme a caneta. Sentia sua mão vibrar de inspiração, seu corpo começou a sentir os sintomas febris do pré-parto de um texto. E assim, ele escreveu o que você leu até aqui".
Quase uma hora os ponteiros insistiam em marcar desde que ele começou a escrever. Correu para a Biblioteca, a encontrou na saída, visivelmente cansada de estudar. O cansaço do conhecimento. Ergueu a mão e entregou uma folha com marcas de rasgo. Ela sorriu, num misto de surpresa e evasão. Porém, num lapso, como um insight, ela perguntou:
-Quer comer alguma coisa?
A lua erguia-se como rainha da noite. Lúcio conhecia quase todos os restaurantes de Paris de suas viagens solitárias. Escolheu - mentalmente - o mais bonito, aconchegante e gostoso.
-Claro, eu conheço um lugar.
L.A.
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