Entre o Tempo e Amor

Anastácio desejava uma garota que o fizesse ferver constantemente entre detalhes vagos que para ele eram a base do fogo do amor, não uma que apenas se entrega de tempos em tempos, sumindo sem aviso prévio e aparecendo depois dos cacos que deixou. Não precisava combinar com ele, Anastácio aprecia estranhezas e personalidades exóticas, então se sua garota-sonho um dia resolvesse escalar uma árvore bem alta apenas para ver o pôr do sol, Anastácio iria achar muito belo, bobo ele é. 

Anastácio tem um defeito muito grande e feio, ele se deprime com rotinas! Então se ele viver as mesmas coisas por uma semana, já se envolve numa aura negra que deixam seus olhos febris, Anastácio é destas poucas pessoas que nascem deslocadas do mundo. A vida é uma eterna rotina, Anastácio. 

Um dia Anastácio amou um sabiá, mas nos dias vindouros que não ouviu seu cantar e não contemplou a sutiliza de seu voar, aos poucos deixou de amar. Mas quando o via, pousando na beirinha do muro do jardim, todo amor voltava. Para Anastácio o amor é uma espécie de desencontro e reencontro. 

Quanto maior o amor mais lenha é necessário para o manter vivo. Os detalhes, as palavras ditas tão simples e carinhosas, o sorrir e principalmente a presença, faíscam, são lenhas da mais pura qualidade. É dito que a qualidade de momentos é proporcional a intensidade de sorrisos espontâneos. O sorrir transforma o olhar numa câmera, transformando o mundo em cenas lentas. E em vidas tão curtas uma lentidão a ponto de dar pause, é tudo que nossas almas almejam.

Não seja tão romântico Anastácio, pois os humanos não entendem destas coisas quentes do coração. Até no romantismo existe um limite. E você insiste em cruzá-lo, todo o tempo. Mas se Anastácio soubesse o que são limites ele não estaria procurando o amor de sua vida aos 75 anos de idade. Sorte dele saber: O amor da vida é construído nos momentos, anos, décadas passados juntos e não em um futuro incerto idealizado por uma ilusão que ignora a sabedoria de que nem todos os corações ao se encontrar se sincronizarão ininterrompidamente. Então como Anastácio construirá o amor da sua vida? É fato também que um ano de vida pode ser mais intenso que dez anos de semi-vida.

Anastácio é um ser que guarda uma última ilusão. Ilusões não envelhecem. O sabiá amado por ele já faleceu há muito tempo. Seus pais já se foram em outros tempos. Suas paixões juvenis estão pertos do paraíso em outros Estados, países, mundos. O amor é feito de vida ou a vida feita de amor? Só Anastácio sabe a resposta. 

- Ambos! cof cof cof - está gripado, pobre coitado - a vida sem o amor e o amor sem vida são meros quadros sem tinta.

L.A.

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